26.9.06

A História da Minha Máquina de Escrever


O melhor neste livro são as pinturas de Sam Messer a que Paul Auster dá voz.

"Sam apossou-se da minha máquina de escrever e, a pouco e pouco, transformou um objecto inanimado num ser com uma personalidade e uma presença no mundo".

A velha "Olympia" ora está zangada ou triste, ora dança e sorri - parece sempre uma máquina de escrever e algo mais que uma máquina de escrever.

25.9.06

"... dei-me conta de que tinhamos o mesmo passado, gostasse ou não, essa era a pura verdade. com o passar do tempo acabei por compreender que tinhamos também o mesmo futuro."

"tudo se estraga, tudo se gasta, tudo acaba por deixar de servir, mas a máquina de escrever continua comigo."

"é verão e a manhã que se vê da janela é quente e verde e bela. a máquina de escrever está na mesa da cozinha e as minhas estão na máquina de escrever. letra a letra, vi-a a escrever estas palavras. "

2 de julho de 2000

gosto das mãos grandes do paul auster nas ilustrações de sam messer...

20.9.06

já cá canta....

...vamos a isto?

15.9.06




A Aranha

"E a aranha não tem patas; não são patas: são talheres. Substitutos do garfo e da faca. São talheres as patas da aranha, e neles há uma colher para comer o doce que é a massa encefálica dos insectos capturados. É mesmo assim: à colher. De chá.
A aranha dança em bicos de pés depois do estômago cheio, contente da vida negra.
Os talheres negros da aranha mexem no alimento com perícia. São pauzinhos chineses, e com habilidade ela os move, aos pretos pauzinhos. Aos pretos e sádicos pauzinhos.
Mas a aranha continua a existir; portanto também deve amar. Mas isso, nunca vi."

in, Nove insultos a nove animais, Gonçalo M. Tavares
Ilustração - Rachel Caiano
(Conto incluído nas Quatro histórias com Barão - homenagem a Branquinho da Fonseca)

A mim ensinaram-me que não se matam aranhas para não afastarmos a riqueza, talvez por isso sejam tão boas
gourmets. E quem se diverte assim à mesa, ama infinitamente...

11.9.06


happy hour

"Morris não era pessoa que precisasse de ser instada, e a superior qualidade do clarete constituiu para ele encorajamento bastante. O vinho do doutor era admirável, e pode comunicar-se ao leitor que, enquanto o saboreava, Morris cogitava que uma adega com bons vinhos - era evidente que havia uma adega - constituía num sogro uma idiossincrasia muitíssimo atraente. O doutor ficou impressionado com o seu hóspede apreciador; viu logo que ele não era um jovem vulgar. "Tem capacidade", disse o pai de Catherine, "uma nítida capacidade; tem boa cabeça, se quiser usá-la. E é invulgarmente bem parecido; o género de figura que agrada às senhoras; mas acho que não gosto dele."
A Herdeira, Henry James

6.9.06

GARDEN - PARTY COM VISTA PARA O MAR


(...)
ROGÉRIO
Querida amiga!

IRENE
Não estou tão velha assim para me tratar por querida amiga.

ROGÉRIO
Não. Querida é uma coisa, amiga é outra.

IRENE
Trouxe o Miguel comigo. Pensei assim: quem tenho eu que diga bem com um relvado à beira-mar? Só Miguel, que tem um ar pensativo. Um homem vicioso tem sempre um ar pensativo.

MIGUEL
Vicioso, eu? Eu gosto de mulheres, é tudo.

IRENE
Já ninguém gosta de mulheres. Só por aberração. Até acho justo. As mulheres eram enfadonhas, agora são duma vulgaridade horrível. Não a sua, Rogério. Leonor é...

LEONOR
Encantadora, já sei.

IRENE
Não se subestime. Uma mulher encantadora está perto de só ser recordada pelas fotografias de férias. Não é isso. Para começar você faz dez anos de casada. Quer melhor motivo para ser notável? Ninguém faz mais dez anos de casada. É uma idade rupestre. Devia ser gravada na pedra a vinte metros de profundidade.

LEONOR
Está gravada a cem metros de profundidade.

IRENE
Como faz para respirar?

LEONOR
Não sei. Essas coisas não se chegam a saber.

(...)

Excerto de Party, os diálogos escritos por Agustina Bessa-Luís para o filme de Manoel de Oliveira.

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4.9.06


O brunch do lobo mau

Esta história é como um almoço familiar, já a conhecemos desde sempre mas por vezes surpreende-nos!
...

" A avozinha já almoçou?"

"Ainda não", disse o lobo. "Estava à tua espera..." e aproximou a sua cadeira da cadeira da Capuchinho Vermelho, pondo-lhe o braço à volta dos ombros.
"Que braço tão grande, avozinha!",
disse Capuchinho Vermelho.
"É para te abraçar melhor...",
respondeu o lobo, apertando-a contra si.
"E que olhos tão grandes com que está!"

"São para te ver melhor, minha querida..."

"E que orelhas tão grandes!"

"São para te ouvir melhor..."

"E a boca, que boca tão grande!"

"É para te comer melhor!",
disse o lobo pondo-se de repente de pé, saltando sobre a Capuchinho Vermelho e comendo-a.
Quando acabou de comer a Capuchinho Vermelho, o lobo lambendo os beiços exausto e satisfeito, achou que era melhor ficar por ali e dormir um pouco enquanto fazia a digestão. Tinha comido a avó e Capuchinho uma a seguir à outra e estava a abarrotar, por isso adormeceu rapidamente.

A mãe voltou então do trabalho e deu com o lobo a dormir na sala e as roupas da Capuchinho Vermelho espalhadas pelo chão. Em grande aflição, percebeu logo o que se tinha passado. Cheia de raiva, correu ao anexo do quintal, trouxe uma forquilha e espetou-a no lobo com toda a força, matando-o. Seguidamente, pegou numa grande faca e tirou-lhe cuidadosamente a pele.
"Assim como assim", disse a mãe, "sempre fico com uma estola..."
Nos dias seguintes a toilette da mãe foi objecto de grande admiração entre as colegas de escritório: um vestido vermelho rubro que lhe ficava muito, muito bem e uma belíssima pele de lobo ao pescoço."


in, A história do Capuchinho Vermelho contada a crianças e nem por isso por Manuel António Pina segundo desenhos de Paula Rego